Texto retirado do CM de hoje, on-line
"Acompanhem-me no resumo sucinto da lógica que conduziu a este momento de crise, no qual o desemprego é o grito de alarme do falhanço do sistema.
O pensamento económico moderno baseia-se na opção não pelo ser humano ‘ideal’ mas pela pessoa ‘real’. Esta opção seguiu-se a dois séculos de debates sobre "paixões e interesses". Assim se articula e encadeia os raciocínios, que, aparentemente, nos convenceram: o ser humano real é um caudal de paixões; as paixões reorientam-se para outras paixões; existem paixões mais produtivas do que outras; a melhor paixão é o interesse próprio; o interesse governa o Mundo; os interesses tornam-se mais produtivos quando combatem entre si; os interesses competitivos ajustam-se espontaneamente entre si; surgem frutíferos mecanismos de ajuste que funcionam autonomamente; o seu automatismo não requer intenções subjectivas de fazer o Bem; não há necessidade de intenções solidárias, porque basta o respeito pelo mercado; os mecanismos do mercado orientam-se para o melhor bem comum.
Esta antropologia que resumi, base do pensamento económico, esquece algumas noções fundamentais sobre o sujeito humano. Tudo se subjuga ao paradigma do interesse próprio e competitivo. Não se responde à pergunta: eficiência para que objectivos? Declara-se espontâneas e naturais as "leis económicas". O próprio interesse, o egoísmo como expressão do altruísmo, a busca do lucro como algo socialmente benéfico, a agressividade competitiva como fonte de eficácia, servem de interpelações éticas às consciências individuais, mas a lógica económica em que vivem abafa-as. Cresceu o risco de um economicismo fundamentalista que exalta os valores do sucesso, da eficácia, da produtividade, da posse. Alguns nossos contemporâneos, vítimas deste pensamento económico, vivem com angústia o futuro e perguntam--se se viver é bom ou se não teria sido melhor nem sequer terem nascido.
Valerá a pena chamar outros à vida na incerteza do presente ou na crueldade previsível do futuro? Caminhos de esperança não são baratos, não resultam de retórica falsamente messiânica, requerem antes grande mudança de paradigma económico, travado pela dignidade humana, por critérios sociais rigorosos, por propostas jurídicas eficazes, por regulação vigilante e firme, por uma grande coesão globalizada. A dignidade como realização de plena humanidade, como responsabilidade de cada pessoa diante de si mesma e como responsabilidade sobre os outros, está a ser ofendida por discursos e actuações económicas errados e falsos. É tempo de abrir os olhos e dar espaço a alternativas."
D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa
sexta-feira, fevereiro 06, 2009
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