26 02 2009 08.22H
«És pó e em pó te hás-de tornar», diz o padre na cerimónia que abre a Quaresma, enquanto, com o polegar mergulhado em cinzas, desenha uma cruz na testa de quem se aproxima do altar.
Desde que me lembro de mim que gosto deste ritual, da cruz esborratada que por lá ficava um bocadinho, até que a franja ou um gesto desajeitado a fizessem desaparecer. Sempre achei que era um apelo à humildade, hoje percebo que à humildade dos sábios, porque só eles suportam a ideia de voltarem ao pó.
Quando era miúda, a ideia de desaparecer sem deixar rasto não me fazia confusão nenhuma, mas constato agora que não por qualquer grau de santidade, mas apenas porque me parecia uma realidade distante e impossível. Com a idade percebi que à medida que envelhecemos lidamos com progressiva dificuldade com a suspeita de que podemos não deixar marca.
Angústia que só se combate, desconfio, se estivermos seguros de que investimos tanto na relação com os outros que permaneceremos imortais dentro deles, que é onde a imortalidade importa, desculpem a heresia.
Todas as pessoas que amei e morreram continuam a passear-se alegremente entre os meus neurónios, a brincar às escondidas por cima de rins e pulmões, manifestando-se em gargalhadas ou lágrimas conforme lhes apetece.
Mas, para que os outros caibam dentro de nós, é preciso espaço, e é esse o desafio deste crédito para obras, a que chamam Quaresma.
Quem andou na catequese lembra-se, certamente, de fazer listas de sacrifícios, prazeres de que nos privávamos na tentativa de nos livrarmos do acessório, para conquistar lugar para o importante.
Confesso que me parecia masoquista inventar penas, quando a vida as incluía de sobejo, mas admito que a frustração aguça a capacidade de fazermos uso dos nossos recursos internos.
Suspeito que, a fugir de um extremo, caímos no outro: se calhar temos que voltar a traba-lhar a resiliência dos nossos filhos.
Isabel Stilwell editorial@destak.pt
quinta-feira, fevereiro 26, 2009
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